segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Eles tem razão
Subir a minha rua todo dia era insuportável. Não importava quanto calor fazia, ou quanta chuva caía: inexoravelmente eu subia minha rua para voltar da escola. Por vezes eu protelava: uma ficha de fliperama, um milkshake de Ovomaltine, uma passada na loja de discos. Mas o destino era sempre o mesmo: escalar os paralelepípedos da Rua Dona Claudina. O irônico é que minha vila ficava exatamente quando a ladeira se transformava em reta.
Exatamente neste ponto, a gente jogava bola. Era o ponto ideal, onde o carro acabava diminuindo a velocidade por causa do aclive. Nos reuníamos sempre aos fins de semana para nossas peladas ou para nossa corrida com obstáculos. Lá fiz amigos: Bruno, Goiaba, Ricardo, Mamão... Nos jogos eu sempre me saía bem, driblando todos, apesar da minha pouca idade. Mas o grande craque era o Eduardo.
As idades variavam entre 6 e 12 anos. Eu tinha 6 e o Eduardo 10. Éramos os melhores, mas não éramos exatamente amigos. Eu era mais amigo do Ricardo, por causa da música. Só que meu entrosamento com o Eduardo nas peladas era o melhor. Éramos uma dupla imbatível. Eu tinha velocidade, driblava muito, mas muitas vezes improdutivamente. Eduardo era cerebral, tinha passadas largas, um chute potente e também era muito veloz. Ninguém ganhava da gente no golzinho. Com ele eu aprendi a tabelar com o meio-fio, ouvir o carro e parar a bola, a não chorar quando perdia o tampo do dedão, e aprendi a me posicionar prá receber o passe. Isso resume tudo: se posicionar prá receber o passe. De nada adianta saber tudo, todos os fundamentos, se você não sabe se posicionar prá receber o passe. Eu aprendi essa lição tarde demais. Esse foi meu erro.
Jogar bola na rua foi basicamente o que eu fiz entre os 6 e os 9 anos. Não havia uma pedra que eu não conhecesse, um cachorro que não tivesse latido prá mim, um carro que eu não tivesse acertado, uma jogada brilhante que eu não tivesse feito. A cada dia crescia a vontade de jogar bola prá sempre. E ainda ser pago por isso e viver disso. Eu sonhava com o Maracanã, em driblar os zagueiros e o goleiro e marcar um golaço. Sonhava em cabecear a bola no ângulo, sem defesa. A cada sonho eu abraçava a bola do meu lado ainda mais forte. A cada jogada e drible nos meus amigos de rua eu me via encantando o Maracanã.
Um dia, chegou a notícia: Eduardo tinha passado no teste pro Flamengo. Caramba! Meu parceiro de pelada ia jogar num time grande. Nessa altura eu tinha 9 anos e ele 13. Eduardo ia se mudar prá casa da tia, que ficava perto do clube. Minha dupla estava desfeita.
Eu cheguei a pensar em fazer testes. Mas nunca fui. Meus amigos de rua foram se mudando aos poucos. No fim, ficamos eu e Ricardo. A mim sobrou jogar aqui e ali, sem grande destaque. A verdade é que meu entusiasmo diminuiu muito, já que nunca mais recebi uma bola realmente boa, em condições de fazer aquilo que sempre fiz... Minha vida seguiu, mas algo ficou prá trás.
Sabe, quando a gente tem 12 anos, o tempo passa diferente. Parecia uma eternidade que eu não via o Eduardo, mas eram só 2 anos. Eu subia minha rua, naquele sol. Vi aquele cara alto, esguio lá no topo, no fim da ladeira. Pensei logo que ele teria vindo me levar pra fazer um teste no Flamengo, prá jogar com ele. Me vi de novo entusiasmado, a fim de jogar, sonhando com tudo aquilo de novo: Maracanã, dribles, gols fantásticos. Corri na direção dele e gritei seu nome. Não percebi o que estava fazendo. Pondo tudo a perder.
Como a rua era uma ladeira, eu subia correndo, gritando, acenando, mas já estava quase sem fôlego quando cheguei mais perto. Vi Eduardo debruçado, quase dentro de um carro. Ele se virou assustado, com algo em punho. Eu estava mal posicionado. Nesse momento surgiu na esquina um carro de polícia e eu não ouvi. Me vi entre Eduardo e o policial, quando o policial puxou a arma. Assustado, tropecei no meio-fio, torci meu tornozelo e perdi o tampo do dedão. No tiroteio, acabei acertado.
Eu nunca deveria ter parado de jogar. A rua tinha me ensinado a me posicionar, a driblar o meio-fio, a ouvir o carro. Mas, por ter me deixado levar e ter deixado meus sonhos, acabei sem nada. Dizem que momentos antes da sua morte, sua vida passa como um filme pela sua cabeça. Quem diz isso tem razão.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sherlock Holmes, em cartaz no pay-per-view da Net

Guy Ritchie queria ser Christopher Nolan. Eu tenho certeza disso. Não fosse assim, seu “Sherlock Holmes” não se pareceria tanto com “Batman Begins”. O vilão escondido, o uso do medo, as cenas de lutas, tudo remete ao primeiro filme de Nolan sobre o Cavaleiro das Trevas. Além da semelhança dos filmes, ainda há o fato de Ritchie ser muito mais uma grife hoje em dia, do que um diretor respeitado. Tenho certeza de que ele se ressente disso.
O filme não é bom. O roteiro, apesar de relativamente bem construído, fez uma escolha perigosa ao aproximar o personagem da ação pura, já que ao mesmo tempo em que moderniza a história, a fragiliza por colocar a perspicácia consagrada do detetive em segundo plano muitas vezes. Talvez por isso mesmo, não haja grandes surpresas no desenrolar da trama e ainda falhas no final. Onde já se viu passar dos esgotos ao topo de uma construção subindo UM lance de escada?! Talvez tenha sido a edição, o que de qualquer maneira é um mega furo.
A fotografia é correta apenas, valorizando o lado sombrio da Londres do século XIX, sem grandes novidades. Os atores se salvam. Robert Downey Jr. bem, caracterizando seu Sherlock “James Bond” Holmes cinicamente e sem excessos. Jude Law parece meio deslocado na hora da porradaria, mas como assistente intelectual se sai bem. Rachel McAdams, sem grande destaque.
As cenas têm planos comuns, enquadramentos óbvios, mas tudo com muita pompa, embalado pela trilha do manjadíssimo Hans Zimmer, que abusa dos temas grandiosos, como sempre. Nunca há espaço para momentos mais intimistas, passagens menos pretensiosas. A sensação é essa mesmo: pretensão pura. As coreografias das lutas são cópias de tudo: “Matrix”, “Batman Begins”, “O tigre e o dragão”, e por aí vai. O que se salva no filme são as piadas, e ninguém mais adequado a fazê-las do que Robert Downey Jr. A única bola dentro de Ritchie. Em anos! Muito pouco para um filme que foi anunciado como um dos melhores do ano. Quem disse isso, certamente gostou de “Avatar” e acha o U2 a maior banda de rock do planeta.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Megadeth, Credicard Hall, São Paulo - 24/04/2010

Eu preciso deixar algo bem claro, antes de falar do show: eu não gosto muito de Megadeth. Analisando friamente os discos, excetuando-se o Rust in Peace, acho todos meia-boca. Sem exceção. Não acho uma merda, só não acho no nível dos grandes álbuns de thrash/metal. Acho Dave Mustaine um grande babaca, um cara que perdeu a grande oportunidade de sua vida por ser um idiota, arrogante e burro. Eu fico imaginando o Metallica com ele e o Cliff ainda vivo... Talvez fosse algo como um “...and justice and Peace for all” em todos os discos...
Devaneios à parte, Dave Mustaine é um artista único. Criou quase sozinho o maior disco de heavy metal da história. Não tenho medo de dizer isso. Já tive. Hoje, depois de ver o show que eu vi, digo sem medo: Rust in Peace é o maior disco de heavy metal da história. Não extiste nada sobrando. Não falta nada. As letras são incríveis, os riffs nem se fala, os solos milimétricos... Pressão o tempo todo! Até o show de ontem, eu dividia esse posto de melhor disco com o Painkiller e o Powerslave, mas sua execução na íntegra me ganhou e dirimiu minhas dúvidas.
O som da casa de shows (Credicard Hall) estava uma porcaria. A casa é uma porcaria. Daqueles tipos antigos que a boca de cena é enorme, o teto muito alto e a pista pequena. Conclusão: embola o som todo! Não existem os famosos degraus pra galera de trás ver o show na boa, por isso todo mundo se amontoa na frente. O que favorece o empurra-empurra e as confusões. Apesar disso, as rodas rolaram sem nenhum incidente. Mas o público agitou pouco, ficando bem calmo até em porradas como “Take no prisioners” e “Rust in peace... Polaris”. É incrível, você lá vendo “Tornado of souls” e o pessoal calminho. Toca “A tout Le monde” e a galera vai ao delírio. Crianças...
O show de SP foi o maior da tournè até aqui. A banda ao vivo é muito boa, por mais que Chris Broderick e Shaw Drover não sejam Marty Friedman e Nick Menza. Sobre o set, pouco a dizer. Começou com uma intro que nada mais é do que “Black Sabbath” sem a parte vocal, seguida por duas do “Endgame”, “Dialectic chaos” e “This day we fight”, pra mim as duas melhores do disco. Seguiu com “In my darkest hour”, do “So far, so good… So what?”, “Sweating bullets” e “Skin o’ my teeth” do “Countdown to extinction”. Boas músicas, bem tocadas.
Aí veio o Rust in Peace na íntegra. Mustaine só disse: “Nós sabemos por que estamos aqui”, e começou “Holy wars... The punishment due”. O que aconteceu depois é inútil tentar explicar. Para mim, era eu ali, com 12 anos, ouvindo o disco pela primeira vez. Tentando entender o que era o riff inicial da “Take no prisioners”, me emocionando com o solo da “Tornado of souls”, cantando a letra da “Holy wars”, rindo com a risadinha de “Lucretia”, tentando entender o que Mustaine canta em “Poison was the cure”, me assustando com a letra de “Dawn patrol”, tentando tirar a introdução da “Five magics”, vendo a influência do Maiden em “Hangar 18” e ficando chateado ao ouvir “Rust in peace... Polaris” porque sabia que o disco ia acabar. Foi exatamente isso que senti ao ouvir a introdução da bateria. Eu sabia que o show ia acabar ali. E realmente acabou. O que veio depois, me perdoem, não chega aos pés do que eu tinha acabado de ver. São boas músicas, mas não fazem parte do melhor disco da história.
O público recebeu muito bem “Trust”, do “Cryptic writings”. Ouviu com atenção “The right to go insane” e “Headcrusher”, do Endgame, as outras melhores do disco novo. “She-wolf”, do “Cryptic writings” e “Symphony of destruction”, do “Countdown to extinction” terminaram o show antes do bis. Músicas muito bem escolhidas.
O final teve “A tout le monde” do “Youthanasia” e “Peace sells” do “Peace sells… but who’s buying?”, além da reprise de um pedaço de “Holy wars”. Confesso que se eles tocassem o disco de novo eu veria mais feliz ainda...

terça-feira, 23 de março de 2010

Dream Theater, Citibank Hall, 20/3/2010

Confesso que minhas expectativas estavam baixas em relação ao show do Dream Theater aqui no Rio. Sou grande fã da banda, mas a proximidade do show histórico do Megadeth me deixava mais excitado do que a iminência do show do quinteto novaiorquino em minha cidade. Assim rumei até o Citibank Hall, na longínqua Curicica.
Um fila enorme me aguardava, o que me parecia totalmente desproporcional ao tamanho da banda. Convenhamos, Dream Theater não é Iron Maiden. A fila dava o tom da noite: calma, porém cheia. Em paz, mas excitada. Essa mesma fila gigantesca me fez perder os primeiros minutos do Bigelf, a banda de abertura.
Ao entrar na casa de shows, notei a platéia prestando atenção e de certa maneira até gostando do show. Não era para menos. Bons músicos, boas músicas e muita pegada. Por mais que fosse rock progressivo em essência. A atmosfera setentista estava lá nas roupas, nos intrumentos (baixo Rickenbaker, guitarra Gibson SG, bateria DW) e na atitude dos músicos. Meus ouvidos eram brindados com riffs legais, melodias bonitas e passagens mais pesadas. É como se a banda tentasse reinventar o rock progressivo de Yes, Camel e Genesis dos primórdios, e trouxesse ao encontro do stoner atual do Spiritual Beggars, Down e Black Label Society. Excelente mistura e excelente show. Mais um ponto para Mike Portnoy.
Por falar em Mike Portnoy, o Dream Theater entrou no palco sob meu olhar desconfiado, confesso de novo. Sou fã da banda, como disse, e gosto muito de todos os discos (em menor escala do “Falling into infinity”, obviamente). Mas já vi alguns shows chatos deles. Já vi James LaBrie cantando mal. Já vi o chato do Derek Sherinian fazer um solo de 20 minutos e estragar o que seria o melhor show da minha vida. Gato escaldado tem medo de água fria.
Mas fui gratamente surpreendido ao ouvir “A nightmare to remember”. Acho uma boa música, bem pesada. Mas ao vivo ela se transformou. Tornou-se épica, clássica. Todo o peso, toda a velocidade, os vocais podrões de Mike Portnoy, as passagens melódicas do refrão, tudo cresceu e me surpreendeu. Ali os caras me ganharam de novo. O que seguiu foi lindo de ouvir: “The mirror” e “Lie”, na sequencia, como no disco. Para minha absoluta surpresa, LaBrie largou a preguiça que o vinha caracterizando nos últimos anos e simplesmente detonou, especialmente em “Lie”. E eu, de cético, passei a fã de novo. Foi bom.
Veio “A rite of passage” e o solo de Jordan Rudess. Digo logo: não gosto de solos fora das músicas e essa sempre foi uma coisa que me incomodou. Porque não outra música ao invés de um solo? Mas tudo bem, o solo foi legal e teve algumas passagens interessantes, como o solo de iPod Touch e o bonequinho do telão que fazia as mesmas coisas que Rudess, e até fez um duelo com ele no final. Legal.
“Sacrificed sons” chegou com imagens emocionantes do 11 de setembro no telão e deixou a platéia emocionada. A mim também, gosto muito dessa música. “Solitary Shell” deu um ar mais leve ao show. E teve um final apoteótico, com Mike Portnoy batucando nas ferragens da bateria pelo lado de fora e tocando a introdução de “Where Eagles dare” do Maiden, no final da música. “In the name of god” talvez tenha sido a menos bem recebida pela galera, mas abriu alas pro clássico final: “Take the time”.
“Take the time” é minha música favorita do Dream Theater e eles nunca a haviam tocado aqui no Rio. Assim como em “Caught in a web”, que é tocada ao vivo de maneira diferente, eles apresentaram uma versão alternativa, sem uma estrofe inteira e com o final diferente. Não coincidentemente, a estrofe faltando é a parte mais alta da música. Possivelmente James Labrie não consiga mais cantar essa parte, mas eles talvez quisessem tocá-la mesmo assim, pois nunca a tinham tocado aqui no Rio. Foi estranho, mas eu estava tão empolgado que acabei gostando. Ainda rolou um pedaço de “Anthem” do Rush.
O bis trouxe “The count of Tuscany” e toda sua emoção e peso. Essa música já se tornou clássica para mim e pra muita gente que cantou a letra inteira. Sensacional.
A banda parecia feliz, com Rudess fazendo vídeos e usando uma camisa com o rosto de Portnoy estampado, Portnoy fazendo brincadeiras com a câmera, Petrucci e Portnoy fazendo caretas um para o outro. Myung, contido como sempre e LaBrie cantando muito bem, mas interagindo e agitando pouco, também como sempre.
Digo sem medo de errar que foi o melhor show do Dream Theater que eu já vi. Sem dúvidas, a night to remember.
Amigos, estou de volta. Na verdade, voltarei aqui para dar vazão à minha veia jornalística frustrada. O blog, por hora, não terá mais meus textos de ficção (vejam que eu não os chamei de "literários" hehehehe), mas sim resenhas de discos, shows e filmes. Tudo que eu gosto vou tentar colocar aqui. Quem sabe com o tempo eu volte a colocar meus outros textos, veremos... Por enquanto, vou mostrar a vcs meu gosto e coisas que formaram meu caráter. O que teremos aqui, será eu falando de arte. E começarei com um show que vi no sábado. Haverá mais. Seeya!

sábado, 6 de março de 2010

Amigos, nestes 3 meses muita coisa aconteceu. Me expus de forma visceral aqui pra vcs, mostrando meu textos e um pouco de mim. Mas este tempo acabou. O blog vai parar de ser atualizado. O que não quer dizer que eu vá parar de escrever! A resposta que tive de vcs, leitores, foi muito melhor do que eu poderia sonhar! Isso me dá ânimo e vontade de continuar. Provavelmente até o fim do ano eu tenha material suficiente pra lançar algo. Se for esse o caso, TODOS vcs que seguem o blog saberão.
Obrigado pelas críticas, sugestões, elogios e pela discussão dos textos em si. Isso é muito legal e eu vou sentir falta.
Seeya
TB

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Escrevi o texto abaixo baseado neste post do www.postsecret.com
http://bit.ly/9675rP