quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Fazia muito calor, mesmo no inverno de mil novecentos e noventa e quatro. O dia era catorze de julho. Eram sete e quarenta e cinco da noite, mesmo assim fazia calor. Quinta-feira. Eu andava tranquilamente pelas ruas do meu bairro, voltando para casa depois do curso de inglês, quando minha vida sofreu uma reviravolta inimaginada. Eu tinha acabado de fazer dezesseis anos.
Tudo parecia calmo, as ruas do Méier totalmente desertas me davam a impressão de que nada aconteceria até eu chegar em casa. Um carro saía da garagem, o portão se abria e sua sirene momentaneamente me tirou do transe que a língua inglesa causava, e ainda causa, em mim. Ao parar para dar passagem ao carro, saía pelo portão da garagem uma menina aparentemente da minha idade. Nunca a tinha visto nas matinèes do Imperator, nas piscinas do Mackenzie, no Pizza Vip ou nas reuniões de pichadores em frente ao McDonald’s. Tampouco nas festas de halloween da Cultura Inglesa ou nos jogos do ADN no Intercolegial. Uma total desconhecida para mim. E naqueles três segundos ela se tornou a pessoa mais importante da minha vida.
Ela deslizava por entre a porta semi-aberta do carro e o portão ainda abrindo. Sua graça era incomparável, seus cabelos refletiam o amarelo da sirene do portão, sua pele morena estava tão brilhante com o suor, que fazia a noite, já caída, parecer dia claro. Por um momento fitei seus olhos, de um azul profundo. Não mais que um segundo. Tais olhos que nunca conseguirei esquecer. E surpreendentemente, o olhar que recebi de volta foi o de aprovação. Seu corpo todo irradiava sensualidade, sem vulgaridade. Suas pernas dançavam em direção à rua e sua quase escuridão. Sem nenhuma razão aparente, o olhar trouxe um sorriso sem igual. Sua boca era a mais linda que já vira. Nunca tinha estado diante de tamanha presença. E tamanha presença claramente gostou também da minha. Senti meu coração disparar, a boca secar e os pelos eriçar. Estava diante de uma deusa.
Mas hesitei e a bela morena foi embora. Deixando-me sem saber o porquê de minha hesitação, o que acabou por me trazer de volta ao mundo real. Ao meu mundo. E naqueles três segundos me fez mergulhar de vez nas questões mais profundas da minha vida. Por que não me interessei, ainda mais diante de tamanha beleza? Por que não agi e fiquei paralisado? Isso nunca acontecera antes. O que estava sentindo naquele momento? Timidez? Não, eu não era um rapaz tímido. Insegurança? Não, eu não tinha problemas de auto-estima. Medo de receber um sonoro “Não!”? Sim, eu me dava muito bem com as meninas. Naturalmente não era uma coisa que me assustasse ou inibisse. E já tinha agido em situações mais bizarras. Mas algo me paralisou naquele momento. Passei anos sem saber o porquê.

Hoje tudo é muito claro. Na verdade, minhas respostas vieram antes que as perguntas pudessem me fazer mal. Dezesseis anos depois, vejo que a beleza incomparável daquela menina trouxe em mim um desejo de ser como ela. E cada vez que me arrumo, pinto meu cabelo ou coloco minhas lentes, é nela que me inspiro.

2 comentários:

  1. Finalizaçao inesperada...Dos textos postados e o mais diferente...interessante.

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  2. Tb acho. Talvez por isso seja um dos q mais gosto.

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