quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Mrs Wheat

Eu começaria esta história em inglês, se eu fosse como a mãe de Graham, personagem de James Spader em “Sexo, mentiras e videotape”. Na verdade, eu sou anglófilo como a mãe dele sim. Logo, a história começa assim:
- One beer, please. – Said Regina, trying to reach the young man behind the counter in a small club.
- Make it two! One for me, the other for the lady. Don’t worry, this one is on me. – Bruce replied, trying to look nice and heading for the porch.
Regina agradeceu e sorriu para o rapaz. Bruce a convidou para irem à varanda e puxou uma conversa boba. Small talk only.
- Qual seu nome? – Pergunta vinda direto do Mobral das cantadas.
- Regina, e o seu?
- Bruce, prazer.
- Legal seu nome. Inglês, né? – Regina sabia bem conduzir um small talk.
- É. Minha mãe é anglófila...
- Essa frase não me é estranha... Você gosta de cinema?
- Essa frase é de “Sexo, mentiras e videotape”. Adoro Steven Sorderbergh. – Bruce se sentiu tendo total domínio da situação nesse momento. Ficou completamente confiante, a conversa saiu do small talk e entrou em sua seara. Dominava cinema, ou pelo menos achava, e certamente aquela garota ficaria encantada com seus conhecimentos cinematográficos.
- Nossa, eu também! Você sabia que o David Dochovny fez um teste pro papel do Graham? Ah!, e eu adoro a Laura San Giacomo.
Bruce empalideceu. Não se lembrava de mais nenhum filme da Laura San Giacomo, nem fazia idéia que David Duchovny tinha feito teste para ser Graham. Aliás, seria uma mistura bem interessante sua canastrice com a do personagem...
Bruce tentou disfaçar, mas era tarde. A sensação inicial que teve, de que tinha a situação sob controle, desaparecera. Regina rapidamente se transformara num grande enigma a ser desvendado, um cavalo selvagem a ser domesticado.
- Nossa, eu adoro a fotografia de “Traffic”, os tons de amarelo e azul... – Bruce ouvia e calava. A verdade é que ele sabia um pouco de cinema e até conseguia impressionar algumas garotas da sua idade. Mas Regina era diferente. Ela realmente parecia um pouco mais velha e realmente sabia do que estava falando.
- Poxa, tem o “Solaris” também, mas eu prefiro o original... – A cada filme, um soco no estômago. Bruce tinha visto “Solaris”, mas tinha achado chato.
Em dado momento, suas cervejas acabaram. Bruce fora salvo pelo gongo. Ao sair para buscar mais, disse:
- Por favor, não vá embora.
Soou bem estranho. Regina o olhou desconfiada, mas Bruce se saiu bem:
- Porque agora você vai me dever duas cervejas!
O caminho entre a varanda e o bar era relativamente curto. O lugar não estava cheio, mas o bar estava quase inacessível. Por isso, Bruce ganhou preciosos minutos para pensar. Por alguma razão ele queria continuar a conversar com aquela menina (talvez mais adequado fosse chamá-la de mulher). Mas a razão nunca ficou muito clara. Talvez fosse o desafio de uma mulher mais velha e bem versada em assuntos que ele pouco conhecia, mas que apreciava muito. Também não dava para negar: ela era bonita.
- Você demorou um pouco, quase deixei umas moedinhas aqui pra te pagar.
Regina parecia muito confortável com a situação. Ela se sentia tranqüila ao lado daquele cara, que parecia tão assustado a cada informação cinematográfica nova. Mas aquilo lhe dava um ar de pureza e ingenuidade que Regina não estava mais acostumada a ver nos homens. Também não dava para negar: ele era bonito.
- Querida, eu quase tive que dar minha vida pra pegar essas latinhas. Por favor, já que você tá me sacaneando... SHOW ME THE MONEY!
- Rá! Eu ADORO Cameron Crowe!!! Ai… “Quase famosos”…
- Mas essa frase é do “Jerry McGuire”!
- Ah!, é verdade... Que furo! – Regina, notando a insegurança de Bruce, foi generosa e cometeu um erro deliberado.
- Comeron Crowe é o diretor que mais gosto. É incrível como um cara escreveu uma história foda sobre sua própria vida e ainda ganhou um Oscar por isso. Sem contar que ele escreve e dirige, ainda escolhe a trilha sonora...
Regina viu o brilho no olhar de Bruce e se encantou. O rapaz começou a falar com uma eloqüência e conhecimento incomuns para homens da sua idade. Tá certo que ele não sabia muito sobre cinema, mas era um entusiasta da sétima arte. Não tinha o cinismo nem os pudores dos homens de sua idade. E claramente estava tentando a impressionar. “Que fofo!” pensou.
Algumas outras palavras foram ditas sobre Cameron Crowe, mas o papo esquentou mais quando falaram de Oscar.
- A maior injustiça do Oscar de 98 foi “O Resgate do Soldado Ryan” não ter ganhado. Ganhou aquela porcaria de “Shakespeare apaixonado”. – Bruce disse uma de suas muitas frases de efeito e inflamadas.
- Você não sabe o que está dizendo! “Shakespeare apaixonado” tem um roteiro super bem amarrado, tem um figurino incrível e a história é sensacional. Eu sou fã do Tom Stoppard. – Regina retrucou.
- Mas tem o Ben Affleck!!! Nenhum filme com ele pode ser bom...
- E “O resgate...” tem o Matt Damon. No papel título. O Ben Affleck só faz uma ponta no “Shakespeare...”.
- Você tem razão: Game, Set, Match.
- Não acredito que você gosta de tênis! – Regina agora parecia surpresa.
- Gosto muito. Sou fã do Guga, mas o CARA pra mim era o McEnroe.
-Que isso menino, você nem o viu jogar!
- Quanto preconceito... Peguei seu fim de carreira, mas foi o único cara canhoto como eu que eu vi ganhando alguma coisa.
- O Senna era canhoto.
- Você gosta de formula 1? – O surpreso agora era Bruce.
- Já gostei mais, mas meu negócio mesmo é futebol!
- Ah! Para! Só falta dizer que é Botafoguense...
- De certa maneira sim. Minha família é de Turim, na Itália. E lá torço pela Juventus, que inspirou esse belo uniforme que seu time tem. Mas na verdade sou Palmeirense. Só que o Botafogo é meu segundo time por causa da Juve.
Numa boa, isso é coisa de menino! Nenhuma mulher tem um time em São Paulo, na Itália e no Rio de Janeiro. Mulher quando gosta muito, muito, muito de futebol tem um time só. Bruce viu o quanto Regina era diferente.
Ao longo da conversa, Bruce soube de mais alguns detalhes: Regina morava em São Paulo, estava no Rio visitando amigos e voltaria na manhã seguinte. Era fotógrafa e tinha terminado um namoro longo havia um ano. Nunca havia sido casada. Acabou descobrindo sua idade também: 35. Bruce tinha 23.
Mais algumas cervejas e o show estava prestes a começar. Bruce estava ali para ver um amigo tocar e Regina para passar o tempo. E já que não ia fazer nada naquela noite, quem sabe tirar umas fotos de um show underground? Só que o show começou, acabou, começou outro show, acabou outro show e Bruce e Regina ainda conversavam animadamente. E não pareciam arrependidos, descobrindo um ao outro e se encantando um com outro.
Os shows acabaram, a noite também. Com o dia, veio a realidade: teriam que se despedir. O ônibus de Regina partia em uma hora e Bruce tinha prova na faculdade na segunda-feira. Bruce decidiu levá-la na rodoviária, que era perto de onde estavam. Mas foi bastante torturante. A possibilidade de não mais vê-la, de não ter mais uma conversa e tamanha sintonia com alguém, lhe fez deixar cair lágrimas ao ver o ônibus sair. Regina, claramente emocionada também, acenou. E fechou a cortina da janela. Após terem conversado tanto e se descoberto tanto, se esqueceram de ficar com qualquer coisa que pudesse mantê-los em contato: telefone, e-mail, endereço... Ao perceber isso, Bruce ainda esboçou correr atrás do ônibus, mas era tarde. Acabou não vendo que Regina também fazia o mesmo, mas também desistiu. Nessa hora, ambos desejaram que não tivessem gostado tanto um do outro.

8 comentários:

  1. Mais um Texto encantador ..Nos faz pensar em que as oportunidades Nao devem ser perdidas ..nem as de aparencia mais singela ..como uma conversa casual ...
    Fantastico o modo que vc nos leva a fazer parte dos seus enredos como personagens principais...

    ResponderExcluir
  2. Pois é, oportunidade não é coisa que se perca...

    ResponderExcluir
  3. Realmente oportunidade não é coisa q se perca, mesmo assim perdemos muitas todos os dias. E algumas não teremos de volta.
    Mais um texto emocionante q nos faz pensar...

    ResponderExcluir
  4. Concordo com tudo q foi dito aqui e ressalto mais uma vez como adoro o jeito q trabalha com as emoções...
    Gostei da Regina e como ela sutilmente leva a conversa pra onde ela quer e faz com q o Bruce se esforce para mantê-la interessada...hehe...me identifico com isso...8b

    ResponderExcluir
  5. Regina é uma grande mulher, ou pelo menos deve ser... hehehe

    ResponderExcluir
  6. Ficcao mesmo. Um menino de 23 anos tao culto...(rs)
    Aposto que Regina sentiu-se num filme: "Shut up, shut up. You had me at hello"...

    ResponderExcluir
  7. Camila, "You had me at hello" merece um livro inteiro, não um conto. Cameron Crowe sabe das coisas, sempre falei isso!

    ResponderExcluir
  8. " mas a razao nunca ficou muito clara"

    ResponderExcluir