sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O abraço

O quarto ainda refletia a luz do por do sol, enquanto as sombras cresciam em direção à porta da frente. A louça empilhada na pia da cozinha dava a medida da correria da vida atual. 14, 16, até 18 horas trabalhando por dia. Tudo calculado. A desculpa era sempre a mesma: "Vivo uma fase de afirmação profissional", e com isso momentos preciosos passavam à sua frente sem que pudesse vivê-los. Aquele sábado foi o primeiro dia em que não trabalhou em 47 dias. Acabara de quebrar seu recorde.
Invariavelmente comia mal. Dormia pior ainda. Suas olheiras falavam por si só. E dificilmente conseguia encontrar os amigos com tranqüilidade. Sua rotina era uma só: casa-hospital-filho-casa. Muito tempo em hospitais - casas brancas, assépticas, templos da prevalência financeira sobre o homem – pouco tempo no resto. E era assim que a outra parte da rotina se parecia a ele: resto.
Após meses de depressão, uma separação traumática e a indiferença do filho de 1 ano, optou por mergulhar no trabalho como uma maneira de se compensar pelas culpas que ainda possuía. Quanto mais dinheiro, mais poderia dar àqueles que tanto magoou. Parece simplista, mas, se dinheiro não compra felicidade, compra paz de espírito. Pelo menos por alguns instantes. E isso lhe bastava: alguns momentos de paz, tranqüilidade.
Não era feliz, apenas se bastava.
Mal sabia que algumas horas após aquele por do sol sua vida mudaria para sempre. Apesar destas horas terem sido um grande resumo de tudo que acontecera nos últimos meses, talvez para que ficasse muito claro que estava tudo errado. O pontapé inicial da mudança tinha sido dado dois dias antes, na quinta, no corredor de um dos hospitais freqüentados por ele.
Um convite. Aceito.
Claramente este tinha sido um golpe de sorte. Todas as conjunções o favoreceram. E assim foi. E tudo deu certo.
A noite de domingo mal caíra e o luar estava pálido, quando se encontraram fora do hospital pela primeira vez. Sentia-se vivo, com o coração batendo velozmente em seu mediastino. Sentia o sangue percorrer suas artérias, que pulsavam e davam ritmo aquele frenesi fisiológico. O caminho do carro até o encontro dela foi longo, apesar de ter durado alguns segundos. Tudo passava em sua cabeça, desde o que dizer até como se comportar. E o abraço que se seguiu a essa pequena caminhada dirimiu as dúvidas e quebrou a casca do homem angustiado e sem expectativas. Naquele momento ganhara sua vida de volta. Um abraço, uma certeza.
Nunca mais foi o mesmo...

4 comentários:

  1. Muito bem escrito. Interessante como qq um pode se colocar no lugar do personagem mesmo q em situações diferentes da dele.
    Gostei como foi frizado q um simples abraço pode nos tirar dos lugares mais escuros e mudar tudo.
    A vida é cheia dessas coisas...

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  2. Anônimo, cada minuto é a chance de virar tudo do avesso. Já dizia Cameron Crowe...

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  3. Para virar tudo do avesso, há q ter vontade.

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  4. Abracos podem mudar em segundos nossos sentimentos...

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